http://revistaescola.abril.com.br/leitura-literaria/era-uma-vez-contos.shtml
Aprendizagem
- Mãe, cabelo demora quanto tempo pra crescer?
- Hã?
- Se eu cortar meu cabelo hoje, quando é que ele vai crescer de novo?
- Cabelo está sempre crescendo, Beatriz. É que nem unha.
A comparação deixa a menina meio confusa. Ela não está preocupada com unhas.
- Todo dia, mãe?
- É, só que a gente não repara.
- Por quê?
- Porque as pessoas têm mais o que fazer, não acha?
A menina não sabe se essa é uma pergunta do tipo que precisa ser respondida ou é daquelas que a gente ouve e pronto. Prefere não responder.
- Você é muito ocupada, não é, mãe?
- Hã?
- Nada, não.
A mãe termina de passar a roupa e vai guardando tudo no armário.
Enquanto isso, Beatriz corre até o quartinho de costura, pega a fita métrica e mede novamente o cabelo da boneca. Ela tinha cortado aquele cabelo com todo o cuidado do mundo, pra ficar parecido com o da mãe, mas a verdade é que ficou meio torto.
"Nada, não cresceu nada", ela conclui, guardando a fita. E já tem uma semana!
Depois volta para onde está a mãe, que agora lustra os móveis.
- Mãe, existe alguma doença que faz o cabelo da gente não crescer?
- Mas de novo essa conversa de cabelo! Não tem outra coisa pra pensar não, criatura?
Sobre essa pergunta não há dúvida: é do tipo que você não deve responder.
A mãe continua trabalhando. Precisa se apressar. Dali a pouco a patroa chega da rua e o almoço nem está pronto ainda.
- Mãe!
- O que foi?
- É que eu estava aqui pensando.
- Pensando o quê?
Beatriz não responde. Espera um pouco, tentando achar as palavras certas.
- Vai, fala logo.
- Quando a gente faz uma coisa, sabe, e não dá mais para voltar atrás, entendeu?
- Não, não entendi.
Ela abaixa a cabeça, dá um tempinho e resolve arriscar:
- Então, se você não entendeu, posso continuar perguntando sobre cabelo?
- Ai, meu Deus!
Beatriz deixa a mãe trabalhando e vai procurar de novo sua boneca.
Pega a boneca no colo e diz no ouvido dela:
- Não liga, não. Cabelo de boneca é assim mesmo, cresce devagar, viu?
E com um carinho:
- Foi minha mãe que me ensinou.
Flávio Carneiro, autor deste conto, é roteirista, ensaísta e professor de Literatura. Tem 11 livros publicados, dentre eles, A Distância das Coisas (Editora SM), vencedor do III Prêmio Barco a Vapor.
Ilustração: Eva Uviedo
A luva
Foi nos tempos distantes do amor cortês. No reino medieval do rei Franz era dia de festa, e o ponto alto das festividades era a exibição de feras selvagens, trazidas de terras distantes, na arena do grande castelo. Em volta da arena erguiam-se as arquibancadas, encimadas por altos balcões onde brilhavam os nobres da corte, ao lado das belas damas faiscantes de jóias. Entre elas se destacava a donzela Cunegundes, tão rica e formosa quanto orgulhosa, e de pé ao seu lado estava o seu apaixonado adorador, o jovem cavaleiro Delorges, cujo amor ela desdenhava, distante e fria.
Chegou a hora do início da função. A um sinal do rei, abriu-se a porta da primeira jaula, da qual saiu, majestoso, um feroz leão africano e, sacudindo a juba dourada, deitou-se na areia, preguiçoso. Abriu-se a segunda jaula, liberando um terrível tigre de Bengala, que encarou o leão com olhos ameaçadores e deitou-se também, tenso, como quem prepara um bote mortal. Em seguida, abriu-se a terceira jaula, da qual saltaram, quais enormes gatos negros, duas panteras de dentes arreganhados, deitando-se agachados e aumentando a tensão do ambiente.
Fez-se um silêncio no público: todos aguardavam ansiosos um pavoroso embate mortal entre os quatro monstros felinos... E neste momento, como que sem querer, a donzela Cunegundes deixou cair, do alto do balcão, sua branca luva, bem no centro da arena, entre as quatro feras assustadoras. E dirigindo-se com um sorriso irônico ao seu cavaleiro adorador, falou, afetada:
"Cavaleiro Delorges, se de fato me amais como viveis repetindo, provai-o, indo buscar e me devolver a minha luva."
O cavaleiro Delorges não respondeu nada e sem titubear, desceu rápido do balcão e com passos decididos pisou na arena, entre as fauces hiantes e as presas arreganhadas das quatro feras. Calmo e firme ele apanhou a luva, e sem olhar para trás e sem apressar o passo, voltou para o balcão, sob os sussurros de espanto e admiração de todo o público presente.
A donzela Cunegundes estendeu a mão num gesto faceiro para receber a luva e com um sorriso cheio de promessas, falou:
"Ganhaste a minha gratidão, cavaleiro Delorges."
Mas em vez de entregar-lhe a luva, o cavaleiro Delorges atirou-a no belo rosto da dama cruel e orgulhosa: "Dispenso a vossa gratidão, senhora!", ele disse.
E voltando-lhe as costas, o cavaleiro Delorges foi embora para sempre.
Recontado de um poema de Schiller por Tatiana Belinky
Ilustrado por Maria Eliana Delarissa
Desvende os segredos de um bom texto
Analisando os recursos utilizados por Tatiana Belinky, você pode ensinar a turma a controlar melhor os efeitos que pretende causar nos leitores
Que texto bonito! É o que vem à cabeça do leitor que chega à última linha do conto de Tatiana Belinky. Que segredos tem um escritor para criar este efeito de magia? Serão poderes especiais conferidos a poucos privilegiados? Claro que não. Seguindo a proposta de aula elaborada por Heloisa Cerri Ramos, consultora pedagógica de NOVA ESCOLA, é possível mostrar aos alunos os recursos da língua para criar efeitos e, assim, montar uma bela narrativa. E, na seqüência, convidá-los a criar, eles mesmos, uma história.
Comece pedindo à turma que imagine o que acontecerá num conto que tem como título A Luva. Dê tempo para que todos falem. Peça que observem as ilustrações, especialmente as cores e os traçados. Que sensação eles provocam? O ilustrador quis transmitir a ideia de leveza? De tempos antigos? As indagações são um exercício para que todos aprendam a ler imagens, uma competência importante, que deve ser desenvolvida desde cedo.
Depois, faça a leitura em voz alta, com expressividade, colocando entonação especial nas palavras. Esses momentos costumam ser mágicos, tanto para o professor quanto para os estudantes. Peça que eles também leiam, desta vez sozinhos, em silêncio, cada um saboreando as palavras a seu modo. Pergunte quem gostaria de ler, em voz alta, para todos os colegas, na aula seguinte. Enfatize que leitura em público exige preparação e ensaio.
Como próximo passo, analise com a classe as atitudes dos protagonistas, a donzela Cunegundes e o cavaleiro Delorges. Peça que opinem e justifiquem suas idéias, num exercício de argumentação. Pergunte que nome atribuiriam às atitudes da moça: orgulho, soberba, vaidade, tirania... Aproveite para discutir o comportamento humano. Lembre a turma que há um gênero literário que apresenta formas de conduta humana representadas por animais a fábula , e faça a seguinte pergunta: Cunegundes poderia ser comparada ao pavão da fábula "O Corvo e o Pavão" ?
Língua Portuguesa
Tema: Recursos da língua para produzir efeitos desejados
Objetivo: Produzir um texto, fazendo escolhas linguísticas intencionais
Como chegar lá: Ensina-se a ler e a escrever lendo e analisando bons textos
Dica: Tenha um acervo de bons textos, não só narrativos, como modelos para ensinar diferentes gêneros: notícias, poemas, cartas, editoriais, propagandas etc.
Faça com antecedência a leitura e análise do material que você vai levar aos alunos. Ponha-se no lugar deles. Assim, você sentirá mais segurança para orientar os passos da classe
Análise do texto
A segunda parte da aula começa com a análise dos recursos da escrita empregados pela autora. É um texto narrativo clássico, com a situação inicial harmônica, introdução de um conflito que interfere nela, desenvolvimento e solução desse conflito. Para iniciar o estudo, pergunte aos alunos que sensações e impressões eles tiveram ao ler o conto: de medo, de leveza, de ternura, de alegria, de tempos antigos. Provavelmente eles dirão que a história passa a imagem de antiguidade, de leveza...
Diga a eles que essas impressões resultam de escolhas linguísticas. Peça-lhes que observem essas opções no parágrafo inicial. Quais são os substantivos desse trecho? Ensine-os a percebê-los, bem como os seus caracterizadores. Que adjetivos ou expressões adjetivas estão relacionados aos substantivos? À medida que forem falando, escreva no quadro-negro. Faça-os observar que as escolhas remetem a imagens antigas: tempos distantes, amor cortês, reino medieval, grande castelo, por exemplo. Leveza, delicadeza, beleza e ternura vêm de frases como "belas damas faiscantes de jóias", "donzela formosa", "apaixonado adorador".
Passe em seguida para os tempos verbais. O primeiro parágrafo inicia-se com o pretérito perfeito do indicativo (foi). Já para os verbos seguintes foi escolhido o modo imperfeito do indicativo: era, erguiam, brilhavam, destacava, estava, desdenhava. Peça aos alunos que comparem o uso das formas de passado. Leve-os a perceber que o imperfeito dá idéia de algo que não se concluiu, que acontecia com freqüência. É o tempo verbal adequado para falar de ações que costumavam acontecer numa época remota. Pergunte por que esse tempo verbal foi escolhido. E o dos parágrafos seguintes? A predominância é do pretérito perfeito. Nesses trechos é contado o que aconteceu um dia à Cunegundes e Delorges. Trata-se, portanto, de algo já concluído.
A sensação de época antiga também está presente na linguagem do diálogo entre a donzela e o cavaleiro. Pergunte o que mais chama a atenção nessa linguagem. Provavelmente dirão que são as formas verbais da 2ª pessoa do plural (amais, viveis, provai-o, ganhastes), forma de tratamento atualmente em desuso. Enfatize que o uso de recursos como substantivos e adjetivos que remetem à época antiga, tempos verbais, o pronome "vós" e a própria ilustração são intencionais.
Hora de escrever
A seguir, proponha uma produção de texto que faça uso consciente e intencional dos recursos linguísticos estudados com o conto A Luva. Peça que cada aluno escreva uma história que se passe nos dias de hoje, mas na qual as personagens tenham o mesmo comportamento da donzela e do cavaleiro. A escolha de substantivos, adjetivos e caracterizadores do substantivo, do tempo verbal, da forma de tratamento e da ilustração vai depender do efeito que cada um tentará produzir.
Embora seja elaborado para turmas de 3º e 4º ciclos, é possível adaptar esse trabalho para o início do Ensino Fundamental e para a Educação Infantil. A partir do título e das ilustrações, pergunte-lhes sobre o que deverá ser a história. A seguir, leia o texto. Converse sobre a época, as personagens, que opinião as crianças têm sobre a atitude da donzela; pergunte como reagiriam, se fossem o cavaleiro.
Minha chupeta virou estrela
Januária Alves
Ilustração: Ionit Ziberman
Eu me chamo Pedro e tenho 7 anos. Eu tenho uma estrela, sabe?
Uma estrelona, linda, que está lá no céu, brilhando, todos os dias.
Quando eu tinha 3 anos, para salvar meu dente da frente que ficou mole porque eu caí de boca brincando na gangorra da escola, minha dentista me disse que... EU TERIA QUE PARAR DE USAR A MINHA QUERIDA CHUPETA VERDE!
- A chupeta ou o dente! - ela me mandou escolher.
Bom, eu nem quis ouvir direito essa proposta tão maluca! A doutora Virgínia e a minha mãe tentaram conversar comigo, explicar por que era importante eu não perder um dente tão cedo e... nada. Eu só olhava com o olho mais comprido do mundo para a chupeta verde, minha companheira do sono mais gostoso do mundo! Como dormir sem ela?
Na primeira noite em que fiquei sem a minha querida chupeta, só lembro de sentir o cheiro da minha mãe, que me carregou no colo enquanto papai dirigia nosso carro, passeando em frente ao meu parque preferido pra ver se eu enfim conseguia pegar no sono...
No dia seguinte fui com minha mãe e meu irmão ao parque e levei pão para dar aos patos que moram num lago bem bonito que tem lá. Um pato maior e mais cinza que os outros me chamou a atenção. Ele veio várias vezes comer pão na minha mão e eu gostei dele. Parecia o patinho feio da história que meu pai sempre contava antes de eu dormir.
Mamãe chegou perto de nós e disse que aquele era mesmo um pato especial. Ele costumava tomar conta das chupetas de alguns meninos. E fazia isso muito bem: ele transformava todas em estrelas! Superlegal!
Pus o nome naquele pato de Pato Pão. Eu não queria perder nem o meu dente nem a minha chupeta... Talvez o Pato Pão fosse a soluçãopara o meu problema! Então... resolvi dar a minha chupeta verde para ele. Ele pegou minha chupeta verde com o bico e atirou longe, no lago. Eu fiquei olhando para ela boiando, boiando... até desaparecer... Na hora de entregar a minha chupeta verde, mesmo para um pato tão especial como o Pato Pão, eu segurei bem forte a mão da minha mãe e a do meu irmão!
Enquanto a minha chupeta verde ia embora no lago, pensei que naquela noite ela não ia estar embaixo do meu travesseiro. Eu teria que ir até a janela se quisesse dar uma espiada nela.
Quando a noite apareceu, meu pai chegou do trabalho e se deitou na cama comigo, olhando pro céu, procurando a minha estrela-chupeta verde. Eu vi primeiro e nós dois batemos palmas pra ela! Aí eu só me lembro de adormecer com aquele brilho de estrela no meu olho e a sensação do abraço enorme do meu pai.
Todas as vezes em que penso na minha chupeta, olho pro céu, procurando a estrela-chupeta verde. Agora, a saudade, em vez de crescer como eu, fica menor a cada noite. Deve ser porque meninos grandes gostam mais de estrelas no céu do que de chupetas, eu acho.
Conto de Januária Alves, ilustrado por Ionit Ziberman
Tudo isso e muito mais na Revista Nova Escola, o link para acesso está junto ao título no início da postagem. Boa leitura!!!!
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